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Os desafios da liderança feminina e como podemos vencê-los

Sou mulher, moradora de um bairro nobre na capital do país, escolarizada, criada por uma família estruturada e branca. Sim, uma mulher privilegiada. Me orgulho de ter chegado aqui pelo meu próprio esforço, com meus erros e acertos. Mas, não foi fácil.

Comecei a trabalhar muito cedo. Abri minha empresa muito cedo, me tornei gerente muito cedo, também comecei a viajar pelo mundo muito cedo.

Meu lado aventureira (sou sagitariana) sempre foi o meu motor para enfrentar os desafios da vida.

Me tornei líder de equipe e, como era muito comum, vivia cercada de homens. Ainda com pouco espaço para a liderança feminina, meus chefes eram homens e meus pares eram, na maioria das vezes, homens. Sem querer, fui mudando o meu jeito de vestir, de falar, de me comportar.

Era esperado de mim que agisse “como um homem na minha posição”. No trabalho, eu era de um jeito e em casa, de outro. Sem perceber, me enquadrei num modelo criado por homens e numa cultura corporativa predominantemente machista. Não havia espaço para uma liderança feminina.

Foi assim que tudo aconteceu, até que…

O mundo começou a mudar. Em posições de liderança e alta gestão há mais de 20 anos, fico feliz de acompanhar a evolução de tudo isso. Vejo mulheres ampliando sua voz, conquistando seus espaços e se empoderando cada vez mais.

É nítida a evolução da sociedade neste sentido e é lindo de ver quantas mulheres hoje podem ser autênticas e usar de forma genuína sua identidade cultural, racial e de gênero, enquanto ocupam cada vez mais espaços de liderança.

O poder da diversidade

As redes sociais têm um papel importante nesse processo de evolução da sociedade. Por lá, compartilhamos nossas experiências, nossos aprendizados, encontramos mulheres iguais e outras diferentes de nós, mas com desafios semelhantes. É incrível perceber que não estamos sozinhas nesse desafio que é ser mulher no mundo corporativo e o quão enriquecedora pode ser a diversidade.

A diversidade muda as relações humanas e as organizações. Sabemos que algumas características naturais do gênero feminino são o instinto, a empatia, a sensibilidade e a proatividade. Isso faz muita diferença no momento de pensar em um produto, em encontrar uma solução para um desafio empresarial. A liderança feminina, por si só, é uma liderança muito humana.

Somos diferentes, temos necessidades distintas e, em consequência, tomamos decisões diferentes dos homens. São os múltiplos e diferentes olhares que transformam a cultura das organizações. Porém, essa evolução não é rápida e nem fácil.

Sacrifício pessoal e familiar X Mudança de modelo

As mulheres em posição de liderança vivem, muitas vezes, sob uma exaustiva desconfiança e questionamento coletivo por cada grande decisão tomada. É nítido o quanto mulheres são muito mais cobradas a se provar, o tempo inteiro. A liderança feminina exige um investimento constante da mulher em autoconhecimento e muito sacrifício pessoal e familiar.

Se para as mulheres que ocupam cargos de liderança e são privilegiadas o caminho não é fácil, imaginem para as mulheres de baixa renda, moradoras das periferias desse mundo afora.

Há três anos, lidero um programa em que tenho a oportunidade de acompanhar de perto a vida de mulheres em vulnerabilidade social em sua jornada empreendedora. Mulheres praticamente sem escolaridade, com famílias desestruturadas, algumas cheias de filhos, que já tentaram de tudo na vida e hoje não sabem como vão levar comida pra casa à noite.

Apoiamos as mulheres na busca por sua autonomia financeira. Para isso, ajudamos na descoberta de seu talento. A partir daí, trabalhamos para elevar sua autoestima, autoconfiança e resiliência.

Essas mulheres, mais fortes emocionalmente e mais estruturadas, são vistas como exemplo e passam a exercer um papel de liderança em suas comunidades. Aumentam a renda com seu negócio e ficam mais conscientes do seu papel, dos seus direitos e deveres como cidadãs. Um trabalho forte de inclusão social e inclusão produtiva de mulheres.

Seja no mundo corporativo ou numa comunidade, nós mulheres que ocupamos posições de liderança ainda temos um longo caminho pela frente. É perceptível que temos mais mulheres em posição de liderança. Isso é muito bom. Mas como exercer esta liderança, inspirar, influenciar outras pessoas e, ao mesmo tempo, questionar o modelo operacional que continua dominando: o modelo criado pelos homens?

“É um chamado para as mulheres se apoiarem por trás dos bastidores. As profundas transformações que estamos vivendo requerem mudanças de liderança genuínas”, me disse uma amiga, tempos atrás.

Saúde mental em jogo

Quantas líderes hoje são sobreviventes de burnout? O modelo atual não está funcionando, a velocidade das nossas vidas tampouco. Não são só as mulheres que estão adoecendo. São as nossas famílias e a nossa sociedade como um todo.

Vamos lembrar do exemplo recente da ex-Primeira Ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, que renunciou ao cargo depois de 6 anos de muito trabalho e desafios. Ela enfrentou o preconceito e a misoginia. Em sua declaração "Burnout is real”, ela reforça que é humana e chegou o seu momento de parar. Quer se dedicar à família, que foi quem mais perdeu e se sacrificou nestes últimos anos.

Convido cada um e cada uma de vocês, leitores e leitoras, a refletirem sobre o tema, ocupando ou não uma posição de liderança, estando ou não numa situação de privilégio.

Transformação verdadeira exige que a gente saia da zona de conforto. Dá medo. Mas, com apoio verdadeiro, é possível. Vamos explorar ainda mais nossas capacidades, nosso pensamento crítico, nossa adaptabilidade e humanidade. No final, estamos recebendo uma lindíssima oportunidade para evoluir nossos modelos, para melhorar as vidas de todos. Basta continuarmos alimentando nossa coragem de levantar e falar.

Construindo relações mais sustentáveis

A agenda global ESG (sigla para Ambiental, Social e Governança) traz mais luz a esse tema. Precisamos construir relações sustentáveis, relações humanas e com a natureza. Precisamos repensar nossas certezas, rever nossas práticas. Pensar mais sobre inclusão, equidade, diversidade, influenciar e agir de forma diferente.

Pensar em tudo isso com múltiplos olhares, criando espaços de conscientização coletiva e momentos para diálogos, em que possa surgir uma nova inteligência que beneficie o todo, de forma mais humana, sem deixar de ser disruptiva.


artigo escrito por Mariana Borges


Mariana  é administradora de empresas, com MBA em Marketing e Fellow da City University of New York. Consultora, palestrante e executiva de uma fundação empresarial há 12 anos, ela é também criadora da Comunidade Ei!, uma comunidade de inovação e impacto para startups, e uma das idealizadoras do Todas Elas, tecnologia social que já ajudou 5.000 mulheres a transformarem seus talentos em negócios.